Era uma véspera de Natal como todas as outras. De manhã, Isaías tinha ido dar um mergulho à praia. Maldito mês de Dezembro, anda tudo louco com o calor. Quase três quartos de hora depois de ter saído da rede pendurada no alpendre da sua casa, tinha chegado ao seu pequeno pedaço de Paraíso. Já algumas famílias faziam o piquenique no curto areal. Cervejinha, só estupidamente gelada, como canta o Chico.
Estendeu-se no frágil, desbotado e rasgado pedaço de tecido preto que usava como toalha para a praia. Kanga ou pareo, depende da moda escolhida para baptizar aquilo que não passa de um pedaço de pano. Fechou os olhos para melhor ouvir as ondas de água que não paravam de chegar à pequena lagoa. Os risos dos miúdos que por ali andavam a jogar à bola davam-lhe a atmosfera de Verão que precisava.
Deixou-se dormir, sentiu-se a adormecer e não resistiu. Sonhou com uma tarde solarenga de frio, com os preparativos para a ceia e com as mãos que não deixavam de estar geladas. Cheirou o bacalhau no forno, os vapores do marisco a cozerem na panela. Passou o dedo pela forma de cozinha de onde tinha saído a massa para mais um bolo. Deitou mais uma carta para cima da mesa, uma copa. Depois levantou-se, fez uma festa ao cão e tirou um figo seco recheado com amêndoas de um pequeno pires. Levou-o à boca e babou-se.
Acordou, estavam quase 40 graus. No outro lado do Mundo, o sabor do figo ainda se misturava com a saliva. Esse Natal estava longe. Mas era Natal na mesma.