Proença-a-Nova, Portugal
Já colocaste a tua vida nas mãos de outra pessoa?
Provavelmente fazemo-lo todos os dias. Basta atravessar uma passadeira, algum condutor alterado ou distraído pode não parar. Basta andar de carro com um amigo imprudente a conduzir. Mas aí estarás a colocar de modo indirecto a tua vida nas mãos de outra pessoa.
Numa daquelas reportagens alucinadas que tive a oportunidade de fazer para a
NS - Notícias Sábado, propus-me a saltar de
pára-quedas, num salto
tandem, e contar/escrever a experiência. A proposta foi aceite e segui para o centro do país onde a empresa
Sky Dive oferecia esses serviços ao público em geral.
Dobrados os pára-quedas, explicados procedimentos de segurança. Eddy, o instrutor e proprietário da empresa, convidou-me a subir para o avião. Levámos cerca de 20 minutos a atingir os 14 mil pés de altitude, qualquer coisa como 4000 metros. À medida que subíamos, o estômago apertava. Éramos 12 pessoas, sentados, de cócoras, à espera que o momento chegasse. Quando a campainha de segurança tocou e as portas se abriram, lá em baixo só se viam campos de cultivo, cortados por estradas e aquilo que pareciam casas.
Eddy estava atrás de mim, estávamos ligados, íamos saltar juntos, instrutor e instruendo. "Saltas quando quiseres", disse-me ele. Era o que estava mais perto da porta. Pensei duas vezes, claro, mas saltei, com ele.
Durante um minuto fomos em queda livre a uma velocidade de quase 200 km/hora, mal dava para respirar. O salto foi filmado, tirámos fotografias, é uma experiência única.
Peraí! E se ele não abre o pára-quedas? Será que vou conseguir abrir o de emergência? E se ele estiver farto da vida e decidir não abrir isto? A preocupação esteve na minha cabeça durante alguns segundos, demasiados. Estava a colocar a minha vida nas mãos de um estranho.
Um puxão demasiado forte deu-me a resposta, o pára-quedas estava aberto. Minutos depois, sentados no chão, em terra firme, Eddy libertou os mosquetões que nos prendiam. Levantei-me, dei dois passos em direcção a ele e dei-lhe um abraço sentido. "Obrigado, Eddy. Muito obrigado, mesmo!"
Eddy Resende era o piloto da aeronave que se
despenhou este fim-de-semana em Évora. Tinha 40 anos, dois filhos e quando se apercebeu da avaria no avião, ordenou que toda a gente saltasse. Ficou a bordo com João Silva, amigo e também ele
pára-quedista, e tentaram aterrar em segurança. Não conseguiram, embateram num prédio e tiveram morte imediata.
Antes de nos despedimos, nessa tarde de há três anos, Eddy falou da relação que estabelecia com os seus clientes: "Eu telefono a quem tenha saltado comigo e toda a gente me atende o telefone, mesmo que estejam no meio de uma reunião ou a fazer qualquer coisa importante. Não sei porquê, devem estar agradecidos por eu ter aberto o pára-quedas".
Eu estou.