Porquê? Why?

Há histórias que têm que ser contadas.
Há exemplos que têm que ser seguidos.
Há personagens que têm que ser desvendadas.
E nós merecemos um jornalismo diferente que nos mostre que ainda vale a pena.



30/04/08

CADA UM TEM O QUE MERECE



Há lugar para mais um?

Pela frente ainda tínhamos mais nove horas de caminho. Pelo menos. Outras tantas já tinham sido cumpridas desde o momento em que Merzouga, no desértico sul de Marrocos, se tinha transformado numa miragem. Três dias em treinos com equipas portuguesas que iriam participar no Dakar 2006. Isto no tempo em que ainda havia Dakar a sério, daqueles que partia da Europa e chegava a África.

Acordávamos às seis da manhã, por vezes mais cedo. E deitávamo-nos pouco antes disso. Ainda bem que estávamos num auberge do deserto. Não havia nada para fazer, mas encontrámos sempre qualquer coisa para passar o tempo. O Enfermeiro, assim era conhecido o massagista marroquino autodidacta que servia a equipa portuguesa de todo-o-terreno, animava as noites. Pegava nos tambores em pele de cabra, juntava mais dois ou três companheiros de estrada e o espectáculo nascia. Não largava o pequeno cachimbo de kif nem o copo de whisky. E era muçulmano, imagino se não fosse.

Todos os dias, à volta dos jipes de alta cilindrada e camiões carregados de equipamento, juntavam-se dezenas de crianças, conhecidas de outras viagens, de outros treinos. Vestiam camisolas de Portugal, bonés do Benfica e diziam palavras soltas em português. Só para agradar, para comunicar, para receber alguma coisa em troca. Nunca voltavam para casa de mãos a abanar. Era uma festa todos os dias. Terminava quase sempre à mesa, com leitão assado e cerveja nacional trazida nos camiões desde Lisboa.

O regresso fez-se a custo. Nove horas depois de termos saído desse enclave em Merzouga, deparámo-nos com este cenário. No meio da estrada, a andar a 30 ou 40 quilómetros por hora - talvez menos - um camelo dos tempos modernos transportava tudo o que era possível: pessoas, sacos, móveis, carrinhos de mão, plásticos, jantes de automóvel... o que coubesse seguia viagem. Ainda hoje continuo sem saber como se alcança tal estado de equilíbrio. Mas já sei como é possível ter um sorriso nas mais miseráveis condições de vida.

Basta relativizar.

3 comentários:

Anónimo disse...

Em tão poucas palavras fiz uma longa viagem, espreitei alguns momentos passados por aqueles homens e meninos e voltei. Gostei muito do que vi através de ti.
O final está soberbo!
Isabel

Ricardo Santos disse...

Estas viagens são as melhores. E tu e o Jaime sabem bem o que é sentir o pulso a outras culturas. São uns verdadeiros viajantes!Muchas gracias!

Anónimo disse...

... e um bem haja ao Jornalismo Positivo!