Porquê? Why?

Há histórias que têm que ser contadas.
Há exemplos que têm que ser seguidos.
Há personagens que têm que ser desvendadas.
E nós merecemos um jornalismo diferente que nos mostre que ainda vale a pena.



20/06/09

Tortura infantil

Arusha, Tanzânia

No Parque da Bela Vista, em Lisboa, são esperadas 25 mil pessoas para o maior piquenique da história. O evento é organizado pelo Modelo e Tony Carreira vai lá tocar. Cada bilhete custa cinco euros e os participantes devem levar o farnel de casa. De preferência numa cesta de verga onde também estará uma toalha aos quadrados vermelhos e brancos, talheres, pratos e copos de plástico. Isto não é obrigatório, sou eu a divagar.

Pois então, se tudo correr como previsto, Portugal vai mais uma vez entrar para o Livro Guinness dos Recordes. E desta vez não em virtude do maior bolo-rei do Mundo, da maior concentração de Pais Natal numa cidade ou do maior ajuntamento de mulheres grávidas da História fora da Maternidade Alfredo da Costa.

Deve ser uma tarde engraçada, a de hoje. O Tony a cantar, o mulherio aos gritos, as crianças a jogar à bola, os pais deitados à sombra com a Mini apoiada na barriga e os olhos a fecharem de cansaço. Eu gosto de piqueniques e até há 10 minutos tinha apenas alguma simpatia pelo Livro Guinness dos Recordes. Até tenho dois exemplares de anos diferentes aqui nas estantes que teimo em não arrumar.

Acontece que, há 10 minutos, estive a ler no DN uma notícia sobre Michelito Lagravere, aquele miúdo de 11 anos que é toureiro. O mesmo que foi proibido de actuar no Campo Pequeno pela Comissão de Protecção de Menores, depois de um protesto apresentado por organizações anti-tourada. Estava então a ler o jornal e fiquei a saber que no início deste ano, em Mérida, Michelito matou seis touros num dia porque queria entrar para o Livro Guinness dos Recordes como a criança que mais touros matou em 24 horas. Não li isto bem, pensei. Então o Guinness entra nesta palhaçada?

Não. No Guinness não entram recordes relacionados com a tortura de animais. E fiquei com uma grande simpatia pelo mítico livro. Não aprovam a tortura às mãos de uma criança, mas aceitam um piquenique onde vai cantar o Tony Carreira sob um sol de quase 35 graus num dos bairros mais problemáticos da capital portuguesa. 'Tá certo.


19/06/09

Cheira mal. Foste tu?

Vila do Conde, Portugal

É-me indiferente o autor da notícia, o jornal onde foi publicada ou a miséria social do tema. Este é um excerto de uma peça de um diário nacional português que merece chegar às faculdades onde se ensina jornalismo.

Não pelo brilhantismo ou pela mediocridade da escrita, nem pelo bom ou mau exemplo de informação, mas sim porque este é o tipo de jornalismo que cada vez mais se faz por cá. É a "mexicanização" ou o "abrasileiramento" da notícia-choque, o explorar dos sentimentos, a invasão da privacidade, o vasculhar no excremento. Porque, decidiram algumas pessoas que mandam, é disto que o povo gosta. Talvez tenham razão, há muita gente que gosta de abrandar para ver o acidente.

Eu prefiro mandar vir com os otários que o fazem, apitar para que andem mais rápido e deixem de empatar quem quer fazer alguma coisa de jeito na vida.

Insultos à mãe no funeral dos filhos

Os três irmãos – Diogo, de 12 anos, Tiago, de seis, e Afonso, de apenas dois anos – que morreram no incêndio num prédio devoluto no Pinhal Novo foram ontem sepultados no cemitério de Benavente. A cerimónia fúnebre foi marcada pela divisão familiar e pelos insultos que alguns populares proferiram contra a mãe das crianças, Maria Florinda Valente Alves.

Eram 16h30 quando os três pequenos caixões brancos foram colocados lado a lado à frente do altar na Igreja Matriz de Benavente. Rosa, de 19 anos, uma das irmãs dos menores, estava sentada na primeira fila e chorava convulsivamente, amparada por uma prima. Juliana, de 21 anos, a irmã que estava com as três crianças na fatídica noite, estava na mesma fila mas separada de Rosa por cinco pessoas. A dar-lhe o ombro não estava o namorado, Nuno, porque Florinda pediu que não fosse. Mas estava um irmão de quem a família nunca falou. Afinal eram oito e não sete os filhos de Maria Florinda Alves.

Micael é o mais velho de todos e é filho do mesmo pai de Juliana e de Rosa. "A mãe nunca ligou muito a este filho, mas é muito bom rapaz, talvez o mais certo da família", disse uma vizinha de Florinda, sublinhando que o rapaz casou, tem um filho e seguiu a carreira militar.

Na segunda fila estava a mãe , vestida com uma t-shirt preta. Chorou em silêncio durante toda a cerimónia. O pai, Luciano Ribeiro, estava numa fila do lado direito do altar, sozinho de olhos postos no chão.

O povo falava em surdina, mas não ousou perturbar o sermão do padre. Ouvia-se aqui e ali: "Tenho pena é das crianças" e "ela é que devia estar ali". Quarenta e cinco minutos depois, o cortejo fúnebre saiu em direcção ao cemitério.Foi no momento em que a terra cobriu os caixões – ficaram todos na mesma sepultura comum – que o silêncio terminou. "Agora já podes sair à noite", disse uma mulher contra a mãe. "Como foste capaz de deixar os filhos com a drogada", dizia uma mulher, referindo-se a Juliana. Florinda, Juliana, Rosa e Luciano ouviram tudo sem reacção.

Falta muito para o jantar?

Val Thorens, França

No seguimento daquilo que se poderia fazer em prol da Humanidade com as somas milionárias de transferências de jogadores de futebol e com os trocos dos nossos jantares e saídas à noite, ficam aqui mais umas achegas lidas no DN de hoje:

- "A agência da ONU para a agricultura e a alimentação informou hoje que foi ultrapassado o limiar dos mil milhões de pessoas subalimentadas no mundo"

- "O actual número de pessoas subalimentadas é de 1,02 mil milhões e resulta de um aumento de 100 milhões de pessoas no período de um ano"

- "Todas as pessoas afectadas pela fome vivem em países em desenvolvimento: cerca de 642 milhões na região da Ásia-Pacífico e cerca de 265 milhões na África subsaariana"


A conclusão é: uma em cada seis pessoas no mundo é afectada pela fome. Bom fim-de-semana...




18/06/09

Orgão de decisão

Kathmandu, Nepal

O país do Mundo onde a doação de orgãos tem mais e melhores resultados é a Espanha. São 34 dadores mortos por milhão de habitantes, de acordo com dados do Registo Internacional de Doação de Orgãos e Transplantes. O país aqui ao lado apostou desde 1989 numa rede de transplantes e doações à escala nacional para permitir aos médicos identificarem mais facilmente os dadores compatíveis. Este exemplo de Espanha atingiu de tal forma os seus objectivos que a Organização Mundial de Saúde decidiu recomendá-lo como prática modelo.

Ao contrário do que os pessimistas poderiam esperar, Portugal não está mal nesta área. O número de dadores cadáveres tem aumentado, cifrando-se agora nos 26,7 por milhão de habitantes. Mas isso ainda não chega.

Doar orgãos para salvar vidas não pode ser uma questão de dois mais dois: morreu, doa-se. É uma questão que mete ética, moral, religião, mas também humanismo. Permitir que, em caso de morte, se autorize a utilização dos próprios orgãos para salvar outras vidas é uma forma de altruísmo.

Afinal, credos e crenças à parte, se só a alma se salvará depois da morte física, de que servirá a embalagem senão de combustível para o forno crematório ou de alimento para os vermes?

Eu sou adepto da reciclagem humana.





17/06/09

Schiuuu

Fernando de Noronha, Brasil

Olha aí, pá! Os miúdos estão todos em exames. Estão a ver se tiram boas notas para passar o ano, chegar à Universidade, sacar o canudo e ir para o desemprego.

Até fizeram as provas nacionais mais fáceis e tudo para que Portugal não fique tão mal classificado em relação à média europeia.

Ontem, no exame de Português, pediram aos alunos para falar da liberdade. Era a parte escrita da prova, tinham que falar da liberdade, do seu significado. Liberdade de escolha, de associação, de pensamento, sexual, de fazer o que lhes dá na gana, sei lá. Os 20 anos que temos de diferença - eu e eles - já me cheira a Generation Gap. Liberdade de sair à noite e chegar tarde? De ter telemóvel? De ter sexo o quanto antes? De experimentar drogas? Oh, tudo isso já é possível sem grande esforço libertário...

A minha liberdade será sempre diferente da deles, nem melhor, nem pior. Só diferente. Mas não sei mesmo o que terão escrito os adolescentes portugueses sobre a liberdade. E tenho bastante curiosidade. Porque, para mim, aos 14 anos, a liberdade não cabia numa folha de papel de um exame nacional.

16/06/09

A marcha dos indignados

Kathmandu, Nepal

Diz a World Food Programme (Programa Mundial de Alimentação) da ONU que a verba da transferência de Cristiano Ronaldo do Manchester United para o Real Madrid seria suficiente para 520 milhões de refeições escolares em todo o mundo. Mais, daria também para alimentar 8,6 milhões de pessoas na Etiópia até ao final de 2009.

Está certo, 94 milhões de euros dariam para tudo isso.

No dia a dia dos mortais, no ir jantar fora, ir ao cinema, comprar DVD, livros, ir beber um copo com os amigos ou estoirar euros na discoteca, quantas bocas poderiam ser alimentadas nos países em vias de desenvolvimento? Alguém pensa que o valor da jantarada de sushi de sábado à noite poderia servir para vacinar meia dúzia de crianças em África? Ou que aquelas promoções de roupa no Chiado dariam para algumas famílias matarem a fome?

Não há muita gente que pense nisso quando gasta dinheiro desnecessariamente nos seus luxos privados e vícios mundanos. A questão é de mentalidade. Se todos fizéssemos um pouco mais, não existiriam três mil milhões de pessoas no planeta a viver com menos de um dólar por dia. E não estaríamos agora aqui a discutir a transferência milionária em tempo de crise.

Quanto ganha um gestor de topo no mundo ocidental? E um político de carreira ou um advogado de sucesso? E um administrador de um banco? Será que os mesmos que apontam o dedo aos 94 milhões de euros alguma vez deram alguma coisa para matar a fome no Mundo? Ou limitam-se aos jantaritos de solidariedade onde se come lagosta para comprar pão e arroz para os outros, os coitadinhos.

É demais, 94 milhões de euros. É verdade. São dez euros por cada habitante de Portugal. Eu estou disposto a dar os meus 10 euros para matar a fome aos etíopes e alimentar as crianças em idade escolar. Há mais gente por aí que queira alinhar ou a demagogia vai voltar a ficar por cima?


Voo ali e já venho

Essaouira, Marrocos

Não tão rápido como desapareceu dos radares, mas quase, o AF 447 está a fazer o seu caminho em direcção ao esquecimento. Já não se abrem Telejornais com ele, as capas dos diários voltaram a outros temas e os 228 mortos já quase não são motivo de conversa no café aqui no fundo da rua. Fui lá comprar cerveja e estavam a falar sobre a Feira do Relógio e a onda de calor. As teorias de conspiração, o sumiço à la Triângulo das Bermudas, os sensores da Airbus, os receios dos pilotos, tudo perdeu importância.

Os 94 milhões de Cristiano Ronaldo, a festa com Paris Hilton ou as explicações do Governador do Banco de Portugal tomaram conta dos acontecimentos. Aquilo que há duas semanas foi espremido até à exaustão, analisado, ponderado, discutido, criticado, esmiuçado e idolatrado em termos informativos não passa agora de uma qualquer notícia numa página interior, já praticamente sem acesso à capa.

É normal, é o tempo do mediatismo. O sangue arrefeceu, está tudo dito, estão todos mortos, não há portugueses - questão essencial para a comunicação social portuguesa em qualquer catástrofe. Como tal, vamos voltar-nos agora para os resultados das eleições no Irão, porque aquilo deve estar mal contado (ganhou o mau da fita) e já há mortos nas ruas. Mas também não se pode perder muito tempo com isso. Afinal, de que valem sete iranianos mortos, ou 70, 700 ou 7000, quando hoje à tarde ou amanhã o Jesus vai ser apresentado na Luz?

15/06/09

Este é o meu jornalismo

Bakhtapur, Nepal

Cansado de encher páginas a metro por meia tuta, nada como resgatar o blog das trevas. Estava perdido, lá no fundo, ultrapassado pelo Gmail e pelo Facebook, mas não trocado pelo Twitter, felizmente. E o blog não gostou. Queixou-se.

Entrou no firmamento da mente e disse-me: "Olha lá, e se te parasses de queixar e fizesses mais qualquer coisa para mudar a tua vida". Mais? "Sim, mais ou pensas que basta dizer mal do jornalismo e das páginas feitas a metro? Faz-te à vida. Não podes escrever tantas vezes quanto queres aquilo que gostas, então volta para aqui." E eu voltei. O blog tinha razão.

Aqui ninguém me chateia. Posso escrever o que bem me apetecer e continuar a tirar retratos à mente. Principalmente à minha. Mas não só.

E assim, cá estou. Sempre positivo, mas mais pessoal. Mais meu. E só com fotos da minha autoria. Espero que gostem.