Eu sou do tempo - digo eu com aquele tom de ancestralidade próprio dos idosos - em que havia um ou dois miúdos gordos na turma. Estavam identificados. "Bucha", "Pote de Banha", "Bola", "Gigante" ou "Jô Soares" eram alguns dos mimos que eles e elas tinham que ouvir. Fazia parte. Não me lembro se os pais dessas crianças passavam a vida em psicólogos com os filhos para fazer esquecer o trauma. Na minha Escola Primária era mais fácil encontrar crianças que passavam fome do que com excesso de peso. E eu não estudei na Etiópia, foi mesmo aqui ao lado, nos anos 80, em Setúbal.
Mas eu também sou deste tempo, do tempo em que é publicado o primeiro estudo nacional sobre a obesidade infantil. Sou deste tempo em que, em Portugal, 29% das crianças entre os dois e os cinco anos têm excesso de peso. Um terço das crianças em idade pré-escolar está acima do peso ideal e 12,5% são obesas, ou seja, em Portugal, uma em cada três é gorda e no resto da Europa, é uma em cada cinco. Este estudo é da responsabilidade da Plataforma Contra a Obesidade, vem no DN de hoje e mostra que as raparigas têm maiores problemas neste campo que os rapazes.
O que me revolta mesmo é a estupidez.
É o encher os meninos e as meninas com refrigerantes e bolos, batatas fritas e hambúrgueres, e não os levar a praticar desporto, a brincar fora de casa, a queimar calorias. Já sei, já sei, as exigências da sociedade moderna, os horários de trabalho, a falta de tempo, bla, bla... É muito mais fácil levá-los ao McDonald's do que dar-lhes uma refeição saudável. Pois, é isso.
O que me revolta mesmo é a estupidez.
Isso e o facto de, no Dia Mundial da Alimentação, sabermos que existem 1000 milhões de pessoas que passam fome no Mundo e as nossas crianças terem problemas de obesidade.