Porquê? Why?

Há histórias que têm que ser contadas.
Há exemplos que têm que ser seguidos.
Há personagens que têm que ser desvendadas.
E nós merecemos um jornalismo diferente que nos mostre que ainda vale a pena.



06/08/09

To Burka or not to Burka

Istambul, Turquia


À entrada da Mesquita Azul, em Istambul, Turquia, existem peças de roupa em plástico para quem não foi preparado para uma visita a um local de culto islâmico. Eu estava de calções, tive cobrir as pernas. As minhas companheiras daquele Interail em 2002 cobriram a cabeça, os ombros e as pernas.

Há mais de 20 anos, uma tia minha, brasileira, veio a Portugal e quis ir a Fátima. Poderia ter ido antes à Arrábida ou a Sintra - locais que também acabaria por visitar - mas quis ir ao Santuário da Cova da Iria. Passou pela Póvoa de Santa Iria, mas não era a mesma coisa. Fazia calor e a tia Rosinha ia de blusa de alças. Pediram-lhe - obrigaram-na - a vestir mais qualquer coisa porque não estava decente.

Há quase dois anos, no Japão, ofereceram-me uma casa para ficar alguns dias. A condição era descalçar-me sempre à entrada. Ok, isso não é um problema. E adaptei-me facilmente ao costume. Aliás, até gostaria de o implementar por cá, parece-me saudável e higiénico.

Por razões culturais ou religiosas, sempre que mudamos de país, temos algumas regras a cumprir, são formas de agradar aos nossos anfitriões, de respeitá-los e de tentarmos aderir ao seu modo de vida. Isso torna-se ainda mais gritante quando mudamos de país por um largo período, como acontece com quem emigra.

Os emigrantes não devem deitar para trás das suas costas as suas tradições e a o seu modo de vida, mas devem adaptar-se ao novo país e aos seus costumes. No país em que eu vivo - Republicano e Laico, lembram-se? - ninguém é obrigado a andar de Bíblia ou Corão na mão, ninguém é obrigado a andar de cabeça ou ombros cobertos. É uma opção.

Coisa diferente é a burka, essa indumentária sinistra que tira a personalidade às mulheres obrigadas a utilizá-la. No país em que eu vivo, se uma funcionária pública me atender na Repartição de Finanças com uma burka que só deixa ver os olhos, eu irei pedir o Livro de Reclamações. No país em que eu vivo, se uma funcionária pública da Repartição de Finanças me atender e atrás dela estiver um crucifixo pendurado na parede desse edifício do Estado, eu irei pedir o Livro de Reclamações.

O país em que eu vivo é Laico.

Alentejo sem lei

Vilar de Mouros, Portugal


O Festival do Sudoeste existe há 13 anos. Torna-se teenager este ano. É uma boa idade, de descobertas, de lutas interiores, de pensar que o mundo está todo ao avesso. Mas isso passa-se apenas com as pessoas, não com os festivais de Verão.

Há uma Zambujeira do Mar antes e depois do Sudoeste. Quem gosta mesmo da vila alentejana, passa por lá antes do evento. Ou depois, mas nunca durante o festival. Não é por uma semana que vem mal ao mundo. Antes pelo contrário, estes são os dias em que os comerciantes alentejanos vão fazer negócio para o ano todo. E isso parece-me bem.

Não tenho uma simpatia especial por este festival. Já lá estive por cinco vezes, uma delas por devoção, as outras em trabalho. Em qualquer dos casos, diverti-me. Bastante. Isto apesar de achar que grande parte do público que vai à Zambujeira é uma horda de betos em férias no Algarve que não fazem a mínima ideia do que é um festival de Verão.

Gosto de as ver andar por lá de calças brancas de linho e sandálias. E eles de bermudas caqui e camisas abertas até ao terceiro botão, com a cor invejável de quem tira férias em Agosto e vai para o Algarve para ver e ser visto. Gosto dos finais da noite quando os vejo regressar aos carros, eles e as viaturas, cobertos de pó. Dá-me um certo gozo saber que ainda vão conduzir algumas dezenas de quilómetros para voltar às casas alugadas em algumas das zonas mais 'in' do sul de Portugal.

É um outro tipo de festivaleiros, bem diferente daqueles que acampam nas piores condições, que passam calor e dormem pouco à noite. Em ambos os casos, todos têm direito à vida. E todos confessam passar um bom bocado. No final do dia é isso que conta.

O Sudoeste só começa hoje, a sério. Mas, entretanto, já 19 pessoas foram detidas por posse e tráfico de droga. Mas o que é que estavam à espera? Como é que queriam que os campistas e os betos se divertissem tanto? Apenas com a música?

04/08/09

Eheheheheheheheheh

Eu gosto do chat do Gmail.
A lista dos amigos mesmo ali ao lado, basta clicar no nome.
Nunca estou visível essa é a grande vantagem. Não é que não goste que as outras pessoas saibam que estou ligado, é mesmo pela minha sanidade mental. Quando se tem uma lista de contactos longa, fica complicado trabalhar. Por isso, mantenho a minha invisibilidade saudável.

Pode parecer egoísmo, mas desta forma consigo filtrar a informação e vou falando com quem quero. Ou seja, é a velha máxima "Don't call me, I'll call you". Não me levem a mal, mas na maior parte dos casos tem mesmo que ser assim ou a produtividade vai ser posta em causa.

Se há coisa que eu gosto no chat do Gmail é a possibilidade de transmitir sentimentos apenas com palavras e pontuação. Ficam já avisados que não suporto smiles, bonequinhos, chuacs, coraçõezinhos e coisas do género. Nunca os uso, prefiro recorrer a uma linguagem própria baseada em pontos de exclamação, de interrogação, letras maiúsculas, reticências e abreviaturas.

O LOL não faz parte do meu dicionário, acho ridículo. Peço desculpa a quem o utiliza, mas não o consigo entender. Uma gargalhada virtual não se pode resumir apenas a um LOL, depende das circunstâncias, depende da piada, depende do estado de espírito.

Gosto de usar as vogais acompanhadas por HH para fazer ver à outra pessoa o grau de sorriso que me provocou. Um ahahahahahaha é muito mais forte que um eheheheheheh. Uso o primeiro para uma coisa que tem realmente piada, enquanto o segundo fica para um sorriso simpático.

O ihihihihihih é uma coisa mais privada, para uma piadinha mais íntima, mais confidencial, mais cúmplice. Já a combinação entre o O e o H tem duas vertentes: se for ohohohohohohoh não é um sorriso, é uma manifestação de desagrado por qualquer coisa que não se realiza; se for hohohohohohoho é uma expressão sazonal - só uso no Natal, como o Pai Natal.

E o uhuhuhuhu? Raramento recorro, excepto quando quero manifestar o meu desagrado por uma determinada opinião ou tomada de posição. Gosto mesmo do chat do Gmail, mas de acordo com as minhas regras.

Meu querido mês de Agosto

Ilha Terceira, Açores


Octávio saiu de casa num carro em segunda mão acabado de comprar. Levou quase uma hora para encher a bagageira e acomodar todos os sacos e saquinhos a meio do banco traseiro. Cristina deitou-se tarde na noite anterior, esteve a fritar uns salgadinhos, a fazer umas sandes de queijo e fiambre, a regar as plantas e a deixar tudo preparado para o mês de ausência. Às primeiras horas da manhã já estava a pé, a levantar o resto da família da cama, a fazer as camas, a deixar a casinha em Saint Maur num brinquinho. Ela e o marido estão em França há quase 17 anos.

Saíram de Portugal no início dos anos 90 quando a fábrica do Vale do Ave fechou e ficaram os dois sem emprego. Tinham um primo a trabalhar em Créteil, nos arredores da capital francesa, que lhes acenou com a cenoura das melhores condições de vida. Não tinham nada a perder, estavam casados há um ano e filhos ainda não constavam do agregado.

Hoje, as coisas são diferentes. Michel é o mais velho, tem 15 anos. Matilde, como a avó materna, é a mais nova, tem 12. Falam o português que ouvem em casa, com as falhas normais de quem está longe. Todos os anos voltam a Portugal, sempre na mesma altura. A viagem é sempre feita de carro. São praticamente 24 horas com o pai e a mãe a revezarem-se na condução e paragens para atestar e xixizinhos.

Este ano, a família Soares não chegou a tempo das festas da padroeira da aldeia. Cansada, a conduzir, Cristina fechou os olhos um segundo a mais.

Todos os anos, as mesmas histórias, os mesmos acidentes, as mesmas mortes estúpidas.