Porquê? Why?

Há histórias que têm que ser contadas.
Há exemplos que têm que ser seguidos.
Há personagens que têm que ser desvendadas.
E nós merecemos um jornalismo diferente que nos mostre que ainda vale a pena.



31/05/08

Vergonha alheia


Não há coisa pior que um talento desperdiçado. Alguém ter um dom na vida, ter a capacidade sublime de tocar os outros e não o fazer. Poder mudar o mundo com uma palavra, com um som, com uma pintura, uma imagem, um acto e não o fazer. Amy Winehouse enganou-me.

Comecei a ouvi-la aos poucos, uma música aqui, outra ali. Não sabia quem era até há cerca de meio ano. Escutava-a na rádio ou na televisão, sempre ao acaso. Não sabia se era branca ou preta, amarela ou vermelha. Mas cada vez que a ouvia sentia qualquer coisa diferente, uma força que não se explica, um timbre que não se entende, um sentimento que não é passageiro.
Tem voz de diva, dei comigo a pensá-lo e a partilhá-lo com os outros. Uma Aretha Franklin, uma Maria Callas, uma Billie Holiday. Poderia ter nascido neste ou noutro século, encantar plateias, deslumbrar multidões, fazer rir e chorar com um piscar de olhos, um gesto, uma nota cantada mais alta ou mais baixa. Mas Amy não quer.

Chegou meia hora atrasada ao palco do parque da Bela Vista, mas isso pouco me importa. Deitou o cigarro para chão, levou o copo numa mão e avançou para o microfone. Balbuciou qualquer coisa enquanto os músicos a tentavam acompanhar. Ou melhor, enquanto os músicos tentavam disfarçar aquilo que já era esperado. Durante quase uma hora arrastou-se pelo palco, caíu, desiludindo quem apostou tudo nela. E, acima de tudo, desiludindo-se a si mesma. Amy não estava em condições. Chorou, pediu desculpa. Disse que deveria ter cancelado o espectáculo.

Não. Não deveria ter cancelado o espectáculo. Que lhe sirva de lição, como não serviu a Janis Joplin ou Elis Regina, a Jim Morison, Ian Curtis ou Kurt Cobain e outras centenas, milhares, milhões de homens e mulheres que desperdiçaram e continuam a desperdiçar o seu talento.

30/05/08

Guitarradas



A revista ROLLING STONE escolheu os 100 melhores temas de sempre com guitarra. A lista é subjectiva, claro, mas há aqui grandes malhas. Confirmem as 10 primeiras e vejam o resto no site da revista!






1. Johnny B. Goode - Chuck Berry


2. Purple Haze - The Jimi Hendrix Experience


3. Crossroads - Cream


4. You Really Got Me - The Kinks


5. Brown Sugar - The Rolling Stones


6. Eruption - Van Halen


7. While My Guitar Gently Weeps - The Beatles


8. Stairway to Heaven - Led Zeppelin


9. Statesboro Blues - The Allman Brothers Band


10. Smells Like Teen Spirit - Nirvana

Eu vou... ficar todo encharcado!


Voltam as sugestões para o fim-de-semana. A chuva é que teima em não se ir embora, mas não vale a pena lamentarmo-nos. Ainda não podemos controlar o tempo. Por isso, vamos aproveitar os próximos dias como se nada fosse. Se estivessem dez graus negativos e neve, seria bem pior. E esta automotivação é dirigida especialmente a quem vai estar esta noite no Parque da Bela Vista, em Lisboa...


1 - Dois anos depois, aí está o Rock in Rio Lisboa. Já não há bilhetes para hoje, mas ainda se encontram para os dias seguintes. Esta noite vão estar, no Palco Mundo, Lenny Kravitz, Amy Winehouse, Ivete Sangalo e Paulo Gonzo. No palco Sunset Rock In Rio estão previstos Philharmonic Weed, Prince Wadada, Ricardo Azevedo, Lúcia Moniz, Sam The Kid e Cool Hipnoise. E quanto à Tenda Electrónica, no menú estão Paul van Dyk, Axwell, Diego Miranda e Mary Zander. Para amanhã e domingo, eis a lista completa: 31 Maio - Bon Jovi, Alejandro Sanz, Alanis Morissette, Skank, NBC, Verónica Larrénne, João Gil, Tito Paris, Marisa Pinto, Expensive Soul, Sara Tavares, Carl Cox, Darren Emerson, Christian Smith, Carlo Dall'Anese; 1 de Junho - Rod Stewart, Joss Stone, Tokio Hotel, Xutos & Pontapés, Just Girls, 4Taste, Docemania, Jazzinho, Melo D, Ala dos Namorados, Rão Kyao, Nancy Vieira, Boss AC, Vitorino, David Morales, Dimitri From Paris, Tony Humphries, Kym Mazelle, Mário Roque e Nuno Leote.


2 - Adriana Calcanhoto volta a Portugal para uma digressão de norte ao centro sul. Depois de Lisboa e Torres Novas, a cantora e compositora brasileira vai estar hoje no Coliseu do Porto. Amanhã será a vez do Pavilhão Multiusos de Guimarães e no domingo calha a vez ao Teatro Aveirense de a receber.


3 - Como a vida não é só música, aqui fica uma sugestão gastronómica. Vila Nova da Barquinha fica a pouco mais de 100 km de Lisboa e a 200 do Porto e no final de uma refeição no 'Recanto da Barquinha' ninguém se vai lembrar desse pormenor. Índia, Angola e Brasil são as influências dos pratos apresentados. Imperdível!


4 - Arranca este fim-de-semana o Douro Blues, 3.º Festival Internacional de Blues de Gaia. A convidada principal é Shemekia Copeland (amanhã à noite), a quem já muitos comparam com Tina Turner. É a filha do guitarrista Johnny Copeland e está a deixar o mundo dos blues de boca aberta. Da lista de convidados constam ainda Chris Jagger (irmão de Mick, o dos Rolling Stones), os portugueses Nobody's Bizness e Budda Power Blues, os Supercharge, Albie Donnelly e Down Home. Concertos no Auditório Municipal de Gaia e no Miradouro da Serra do Pilar.


5 - As Feiras do Livro de Lisboa e do Porto continuam a decorrer. E assim será até 14 de Junho no Parque Eduardo VII, em Lisboa, e até 10 de Junho no Pavilhão Rosa Mota, no Porto. Livros e autores para todos os gostos.

29/05/08

Greve às gasolineiras


Preço dos combustíveis. Tem que ser, não há como fugir. Poderia a agenda mediática estar dominada pelas eleições no PSD ou pela gloriosa estada da selecção portuguesa em Viseu. Mas não. Em ambos os casos, o bocejo é uma constante, seja pela falta de interesse dos debates entre os candidatos a candidatos a Primeiro-Ministro, seja pelas entediantes conferências de imprensa e mexericos em relação a Cristiano Ronaldo, Scolari e colegas futebolistas.


Por isso, tem que ser: preço dos combustíveis.

Eu não sou um tipo velho. Não sou um cota, mas ainda sou do tempo em que metia mil paus de gasóleo no carro, fazia Setúbal-Lisboa-Setúbal e sobrava-me algum tempo até a luz da reserva acender. Claro que eu tenho um Micra comercial e isso é uma vantagem que poucos têm, mas a verdade é que hoje, com cinco euros, não consigo chegar aos quatro litros de combustível. E com quatro litros, nem o meu Micra faz milagres.


Já sei que o preço do barril de petróleo bate recordes todos os dias. E que a Guerra no Iraque não ajuda. E que os países produtores de petróleo não se entendem. E que as grandes companhias fazem 'panelinha' umas com as outras para cartelização dos preços. Compreendo toda essa conjuntura, embora não a aceite. Mas o que me irrita mesmo é o facto de, na última semana, o preço do barril ter baixado e o dos combustíveis continuar a aumentar. Eu até sou um tipo compreensivo, mas não me façam de estúpido.



28/05/08

As donas da bola


Aí está a sondagem sobre o Campeonato da Europa de futebol. Tem que ser, não se vai falar de mais nada no próximo mês. As bandeiras já estão nas varandas, as estrelas já estão todas juntas em Viseu e preparam-se para seguir viagem para a Suíça e Áustria. As expectativas são, como sempre, elevadas. E os adeptos querem a Taça. Mas até onde pode a nossa selecção chegar? A subjectividade do futebol permite estes devaneios. Por isso mesmo, em que fase da competição irá Portugal fazer as malas e voltar para casa. Logo no início? Empurrados para fora pelos árbitros? Eliminados à beira da praia? Ou é desta que trazemos o título de campeões da Europa? As urnas estão abertas.

Sympathy for the Devil



Tinha acabado de entrar numa redacção pela primeira vez. Começava a abrir os primeiros documentos no computador, passava os olhos pelos jornais, olhava em volta com vontade que ninguém reparasse em mim. Sentava-me onde calhava, estagiário não tinha direito a mesa. Todos os dias, de manhã, ele entrava na sala. Largava um bom-dia em tom rouco. Punha os jornais em cima da secretária, ligava o computador e virava costas ao ecrã. Acendia um cigarro.




Uma vez por semana, procurava-me na sala sem saber o meu nome. Chegava com um monte de folhas brancas rabiscadas e o nome de um, dois, três livros. "Faça-me o favor de confirmar o preço destes livros nestes estabelecimentos." Virava costas e continuava a editar a secção de Cultura do Independente. Eu era o estagiário e fazia-lhe a vontade. Finda a tarefa, entregava-lhe os papéis e ele agradecia sem olhar para mim, absorto nos textos que tinha para ler e escrever.



Voltámos a encontrar-nos cinco anos depois na Grande Reportagem. Uma vez mais ele seria meu editor. Falei-lhe dos tempos do Independente, de ter sido seu estagiário. Lembrava-se de mim, dizia ele. Não era verdade, era pura simpatia. Ambos sabíamos. E nunca lhe levei a mal por isso. Passámos a colegas de trabalho e acabámos por nos tornar amigos.

Nunca consegui tratá-lo por tu, apesar das tentativas do Torcato para que isso acontecesse. Acabada a GR, ficámos sentados frente a frente na NS - Notícias Sábado. Passávamos os dias a trocar piropos e provocações anarco-sindicalistas. Ele contava-me histórias de um mundo que eu desejei ter vivido. Falava-me do salto para Espanha, para a França e a vida na Bélgica no tempo da ditadura, dos tempos de Coimbra. Partilhávamos a paixão por Havana, pelos clássicos americanos e pela vida.



"Ó Ricardo, olhe que aquilo está muito complicado...", dizia ele sempre naquele tom de voz de Adamastor quando falava do nosso clube. Depois ria-se, acendia mais um cigarro e pedia-me ajuda para resolver um qualquer problema no computador. Normalmente tudo se resolvia com dois ou três cliques. E ele encolhia os ombros: "Isto para mim, só serve para escrever". O Torcato Sepúlveda era o Google de qualquer redacção. Sabia tudo. Detinha todas as informações que não existiam na internet - quem tinha escrito o quê, quando, onde e como.

De cada vez que iniciava um texto, abria o documento em branco e escrevia 'Merda'. Qualquer que fosse o tema, o conteúdo, o estilo, o tamanho. Sempre a mesma palavra, 'Merda'. Depois começava a juntar-lhe outras letras, palavras, frases, parágrafos e surpreendia-nos. Surpreendia-se.


Tinha sempre um maço de tabaco em cima da mesa, um maço comunitário. Quem quisesse, chegava e servia-se. O mesmo fazia com as informações, com a lista telefónica, com o dinheiro, com os conhecimentos. Dividia tudo por todos, sem competição ou concorrência.



No dia do meu casamento, o Torcato esteve igual a si próprio. Deu-me um abraço forte. Baixou a cabeça e os olhos e disse-me: "Parabéns Ricardo. Parabéns". Recuou, quase envergonhado com uma mão no bolso e a outra a puxar o longo cabelo branco para trás. Por volta da meia-noite estávamos no meio da pista de dança, eufóricos, bem bebidos, quando começaram os acordes de 'Sympathy for the Devil', dos Rolling Stones. Mick Jagger gritava "Please allow me to introduce myself / I'm a man of wealth and taste / I've been around for a long, long year... " e o Torcato elevou o copo aos céus, deu quatro ou cinco pequenos passos para frente e, depois, os mesmos para trás. Curvava-se quando recuava, ficando quase ao nível do chão. Depois levantava a cabeça e avançava sem medo. De olhos fechados a cantarolar o refrão: " Pleased to meet you / Hope you guessed my name..."



Há uma semana, tomei banho no Mar Morto, mergulhei na cultura da Jordânia, soube de histórias espantosas entre judeus e árabes, fiz perguntas e tive respostas, tomei notas e tirei conclusões. Ao final do dia, pedi uma Piña Colada para ver o pôr-do-sol. Como em Havana. Estava a ser um dia sensacional. O meu telefone estava desligado, adormecido no quarto do hotel. Levantei-me, movido não sei bem por que razão. Liguei o telemóvel e senti que precisava falar para casa. Não era nenhum pressentimento, só uma vontade de ligar para casa. "Não tenho boas notícias", ouvi desde Portugal. O silêncio durou apenas alguns segundos, mas foi o suficiente para adivinhar o que vinha a seguir: "O Torcato faleceu esta tarde".






Merda.






























27/05/08

Praia e caipirinhas

A sondagem era sobre o Verão estar à porta. Mas não passou de uma mentira. Afinal, o bom tempo e as petiscadas ainda estão longe, a ver pelas amostras dos últimos e dos próximos dias. De qualquer forma, os passageiros do 'Jornalismo Positivo' não deixaram de dar a sua opinião. E ganhou o 'Dia na praia e noite de caipirinhas'. Metade dos votantes escolheu esta opção. Mas a luta foi renhida já que, com 41%, ficaram os 'Caracóis, cerveja e pão torrado'. No terceiro posto, houve 8% de votos para as 'Ameijoas e vinho branco ao fim do dia' e ninguém se interessou pela 'Esplanada, sangria e mariscada'. E assim se abriu o apetite para o Verão. Obrigado.