Porquê? Why?

Há histórias que têm que ser contadas.
Há exemplos que têm que ser seguidos.
Há personagens que têm que ser desvendadas.
E nós merecemos um jornalismo diferente que nos mostre que ainda vale a pena.



10/04/08

CADA UM TEM O QUE MERECE



Última chamada para o Tokyo


Ian Curtis deita cá para fora todas as angústias. Diz que o amor vai deixar-nos separados e a pequena multidão delira com os Joy Division. Entre uma cerveja de garrafa e mais um encontrão de quem quer passar para chegar ao bar, entram em acção os Cure. Há um grupo de betas que descobriram recentemente este refúgio. Dançam como se estivessem na Kapital, maldita a hora em que fechou. Parece que se mudaram todos para aqui. Algumas das caras ainda são as de sempre, as que não se preocupam com o facto de o espaço estar a rebentar pelas costuras. Vêm pela música. Também pela música aliás.


O Quim está à porta. Do lado esquerdo, as prostitutas em cima da caixa de electricidade ali na esquina. Do lado direito, o túnel da caixa de música e o bar de strip escondido sob o toldo branco. Em frente, a máquina de tabaco mais próxima, apesar de se situar na capital da Noruega. Aqui, para lá do balcão de madeira, os mesmos sorrisos de sempre, o cumprimento que se repete de cada vez que se transpõe a porta e se recua para o passado. Os loucos anos 80, dirão alguns. Os 70 e os 90 também o foram, os primeiros deste século continuam a sê-lo. E todos os passados e futuros foram e serão assim, só depende de quem os vive.


O poster dos Xutos não sai da parede, faz parte da mobília da casa. Não há noite em que não cantem. Reza a lenda e a realidade que terão tocado aqui, ao vivo, no final dos anos 70 ou princípio dos 80, quando eram magros, toxicodependentes e loucos. Hoje, só a última característica se mantém, mas com mais moderação. Quem já nada teme ecoa pelas paredes graças ao afinado coro sub-45 que não perde uma oportunidade para mostrar que a memória das letras continua bem viva. A temperatura é cada vez mais alta, caminha-se para as três da manhã e há apenas mais uma hora de viagem garantida.


O senhor João, a alma da casa, não está ali. Está em casa há uns bons meses, mas não há quem não pergunte por ele. Está melhor, vai ficar bom, está a lutar, dizem-me do outro lado do balcão. Manda-lhe um abraço. Está descansado, eu mando. Faz-se um brinde entre duas garrafas, entre duas pessoas que se descobriram ali e não mais se separaram. Pede-se mais uma música, como se estivesse em casa de amigos. Estamos mesmo.


Janis Joplin despede-se. Vai sair de Mercedes Benz. As luzes acendem-se, são quatro da manhã e é já tempo de partir. Imediatamente antes da saída, na parede ao lado do ar condicionado, lá estão eles, os três. São a prova de um tempo que, se não tivesse existido, teria sido uma perda irreparável para a Humanidade. Estão sentados. Mick, um branco no meio de dois pretos, está com pose de menino envergonhado. As mãos sobre as pernas, um sorriso de inocente num corpo cheio de culpa. Peter e Bob ladeiam-no e também eles sorriem. Tenho a certeza que, naquele momento, estavam felizes. Poderiam estar a rebentar de problemas, de dependências. Poderiam estar a viver à margem da lei, a colocar-se em risco, a fazer más opções. Mas naquele momento foram felizes. A foto de Mick Jagger, Peter Tosh e Bob Marley diz tudo. Olho-a uma e outra vez mais antes de sair do Tokyo, no Cais do Sodré, em Lisboa. Era bom que uma vez na vida, pelo menos uma vez na vida, todos pudéssemos ser assim tão felizes. Eu já fui e continuo a sê-lo. E vocês, o que é que têm feito para isso?

2 comentários:

Soph disse...

Permanecido.

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Ricardo Santos disse...

Sortuda!