Porquê? Why?

Há histórias que têm que ser contadas.
Há exemplos que têm que ser seguidos.
Há personagens que têm que ser desvendadas.
E nós merecemos um jornalismo diferente que nos mostre que ainda vale a pena.



12/08/09

Eu sou do tempo

Pokhara, Nepal


A Tia Carminha e o Tio João tinham uma casa na Arrábida, mesmo na praia. Era junto à entrada do Creiro. Em 1984 isso era possível. O areal estava cheio de casas clandestinas. Só mais tarde, com a intervenção do ministro Carlos Pimenta, as construções foram demolidas. E ainda bem, a praia hoje está muito mais bonita.

Mas não era assim que eu pensava aos nove anos. Aquela era a casa de praia onde nos reuníamos de vez em quando e passávamos alguns dias de férias. Tinha sido construída pelos mais velhos da família e os mais novos aproveitavam bem essa decisão. O mar frio da Arrábida ficava a 200 metros, era o paraíso para qualquer miúdo. À noite jogava-se às escondidas ou às cartas, conversava-se, era campismo mas numa casa de madeira. Verde, como o Vitória.

Naquele Agosto de 1984 também foi assim. Só a madrugada de dia 11 foi diferente. Na televisão com antena interior, no tempo em que apenas existiam dois canais e um deles só começava à tarde, o canal um da RTP fez-nos companhia toda a noite. Não havia sono que pudesse vencer os 42 quilómetros de Carlos Lopes em Los Angeles. Sentado no chão, lembro-me da alegria dos meus tios e dos meus avós ao vê-lo fugir à concorrência e passar para a frente da corrida. Força, vamos lá!

Os gritos de incentivo vinham da nossa casa verde, mas também das outras que tinham televisão. Aquela madrugada não foi uma coisa normal. Carlos Lopes ganhou a medalha de ouro na maratona dos Jogos Olímpicos de Los Angeles e todos festejámos como se ele estivesse ali na Arrábida, como se fosse um de nós, como se tivesse estado a comer carapaus assados nessa tarde sentado à sombra das árvores.

Há 25 anos, senti a primeira manifestação colectiva de alegria em Portugal. Não foi como quando a selecção chega à final de um campeonato de futebol, não foi fabricada pela comunicação social ou pelos patrocinadores oficiais, não foram necessárias bandeiras na janela. Foi apenas necessário que um só homem ultrapassasse os seus limites.

Obrigado, Carlos Lopes.

2 comentários:

Anónimo disse...

Eu tambem estava lá e foi lindo. Um abraço J.Frazão

Ricardo Santos disse...

Belos tempos que passámos na casinha da Arrábida, João. Isto estava bem guardado num cantinho da memória, ainda bem que te lembras também. Abraço!