O Fifi era um dos terrores da Escola Comercial.
Naquele oitavo ano, em meados dos anos 80, não havia dia em que ele não aprontasse alguma.
Começou a fumar antes de todos os outros colegas, bebia cerveja ainda nós sonhávamos com Green Sands e estava constantemente a ser posto na rua por mau comportamento.
Tinha cabelo à tigela e uns óculos que lhe ocupavam a cara. O corpo era o de um miúdo gordo, tinha tudo para ser o bombo da festa, mas quem comandava a orquestra era ele. Se havia pancadaria, o Fifi estava presente. Dava-se com os repetentes, metia-se com os mais novos, gozava com as miúdas, deixava-as a chorar.
O fim do ano lectivo estava a chegar, o calor era suficiente para ir à praia. Combinou-se um almoço fora da escola, na Adega dos Passarinhos, uma taberna a 200 metros da escola, no tempo em que as autoridades não impediam essa proximidade. Comiam-se bifanas e bebia-se cerveja. Depois fomos para as aulas.
O Fifi quis ir mais longe, queria sempre. Pediu aguardente de medronho. Poucos lhe seguiram o exemplo.
Nessa tarde, na aula de Biologia, a stôra quis fazer uma revisão da aula anterior. Fifi não gostou da ideia e resolveu apresentar argumentos contraditórios: vomitou em cima da carteira, no chão da sala e foi levado para o posto médico. Acabou suspenso pelo Conselho Directivo.
Há um par de anos encontrei-o.
Estava de fato e gravata, com os quilos a mais que os 30 anos nos dão.
O sorriso era o mesmo, os óculos já não lhe ocupavam a cara toda.
"Fifi!", gritei-lhe. Espantado, olhou para trás e caminhou em direcção a mim.
"Há anos que não me chamavam isso". E riu-se enquanto me deu um abraço.
O Nuno Gonçalo é casado, vende automóveis, tem um ou dois filhos (já não me lembro, sinceramente) e era o terror da Escola Comercial.
Dei-lhe um palmadão nas costas quando nos despedimos. E não foi a paga pelos calduços que levei dele naquele oitavo ano. Foi mesmo por ter gostado de o ver, de saber que ele estava bem, que tinha seguido um bom caminho.
Bullying? Give me a break...
5 comentários:
Pois... eu tinha o COCHON - era assim que todos lhe chamavam.
Era MUITO GORDO, tinha um nariz semelhante ao nome que lhe chamavam e todos o temiam!
Não participava em jogos colectivos, não jogava à bola. não era bom aluno... mas quando havia AZAR - lá estava ele!
Bebia que nem uma esponja - tinha dinheiro para gastar em coisas que nós não tinhamos!
Hoje, o João Pereira é mecânico numa oficina de automóveis - e pouco mais sei dele.
Sinceramente, e salvaguardando o extremismo de alguns casos, parece-me que esta é mais uma criação da sociedade moderna, tipo a hiperactividade. Mas resulta bem para os seus criadores: pais irresponsáveis e professores instalados e demitidos. Até o Nietzche escreveu sobre a crueldade das crianças e o seu riso maléfico... As coisas que nós deixámos de saber gerir!
Mas é bom que se tenham encontrado os malfeitores das escolas: os alunos. E para se prevenirem desses monstros maus, os professores querem meter o Ministério Público ao barulho, coitados! Eu pergunto é quem é que se vai responsabilizar pelo suicídio de um miúdo de 12 anos, farto de ser ignorado pela escola? Ele próprio, claro! Já se leu por aí que, afinal, "era traquinas e irrequieto", como se estes 'defeitos' justificassem o que sucedeu.
Caro Anónimo,
Parece-me um comentário bastante assertivo. Muitas vezes os problemas são criados por uma sociedade que gosta de encontrar sarna para se coçar. A mudança de comportamentos entre os mais jovens é uma constante da Humanidade ao longo do tempo.
Obrigado e continue a aparecer por cá.
hãn? é impressão minha ou vc quis dizer que bullying é uma imaginação da sociedade?
Como se não houvesse preconceito, como se crianças e adolescentes não julgassem a todo momento.
Acho que escolas e professores começaram a abrir os olhos pra isso bem recentemente.
Caro Anónimo, não foi impressão sua. O bullying existe mas também é uma imaginação da sociedade. Existe e sempre existiu, mas é esta sociedade que criou as crianças hiperactivas que também puxa pelo assunto como se não houvesse amanhã. É óbvio que há preconceito, faltas de respeito e violência física e psicológica nas escolas, mas estamos a falar de crianças e adolescentes. O problema, a meu ver, passa pela educação ou falta dela que têm em casa.
Um abraço e obrigado
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